Com o Parlamento praticamente eleito e reconstituído, faltando apenas apurar os resultados dos círculos eleitorais da emigração, inicia-se agora a preparação para a 16.ª Legislatura. Na semana passada, a Academia das Ciências de Lisboa e o Conselho dos Laboratórios Associados reuniram representantes dos principais partidos com assento parlamentar para discutir as propostas de cada um para a Ciência e o Ensino Superior (o debate completo pode ser revisto aqui). O debate revela um consenso generalizado sobre a importância e o papel da ciência e das universidades para o país, com a dissonância do representante da direita radical que apelou a uma revisão ideológica das universidades, importando os atuais ventos dos Estados Unidos.
A ausência da ciência e da educação superior do debate político que antecedeu as eleições é, simultaneamente, reflexo do clima social e dos temas que polarizaram as intervenções públicas, mas também do consenso, apregoado em tempos eleitorais, o qual raramente se concretiza em políticas públicas que ultrapassam os ciclos políticos. Os comentadores presentes no debate enfatizaram a distância entre o discurso e a ação política, ilustrando-a com exemplos relacionados com a previsibilidade das políticas, o financiamento da ciência e a reforma da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Como singelo contributo para o que poderá ser a próxima legislatura, ficam aqui alguns desejos para a ciência e para as universidades.
A permanente incerteza legislativa impede as instituições de desenvolverem políticas de médio prazo: que se revejam rapidamente (ou se assuma que isso não irá acontecer) os instrumentos legais que enquadram a ciência e as universidades (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, Estatuto da Carreira Docente Universitária, Lei da Ciência).
Existindo consenso sobre o objetivo de 3% do PIB investido em I&D, que o financiamento público para a ciência aumente progressivamente, de forma planeada, para que o financiamento por investigador, corrigido pelo poder de compra, se aproxime da média europeia.
O objetivo de 3% do PIB investido em I&D deve ser também assumido pelas empresas: que mais empresas e, principalmente, as maiores empresas como acontece nas economias mais fortes, invistam mais em ciência, contratando doutorados e estabelecendo centros próprios de I&D para resolver os seus desafios ou financiando e trabalhando com as universidades e os centros de investigação, alinhando-se os incentivos públicos com estes objetivos.
A previsibilidade do sistema assenta na capacidade da Fundação para a Ciência e Tecnologia implementar políticas e instrumentos plurianuais, o que só é possível com uma reforma que a torne mais independente dos ciclos políticos e com um funcionamento mais próximo dos Research Councils de muitos países na Europa.
As instituições científicas e de educação superior portuguesas têm capacidade para atrair os melhores estudantes, cientistas e professores de todo o mundo, reforcem-se as infraestruturas das instituições com potencial para serem referências mundiais, tornando-as internacionalmente mais atrativas, produzindo ciência e formando pessoas com os melhores padrões internacionais, e reforçando o papel da qualidade da ciência e da qualidade da formação na forma como os recursos públicos são atribuídos.
Se todos reconhecem o papel do talento que se atrai para a Ciência, para as universidades e para os centros de investigação, no desenvolvimento do país que se clarifiquem as carreiras, e as suas constantes normas transitórias, promovendo a sua valorização, tornando-as mais compensadoras, internacionalmente competitivas, mas também mais exigentes.
O papel da ciência não se cinge apenas ao seu impacto económico. O governo, órgãos de soberania e administração pública podem reforçar o papel da ciência estabelecendo instrumentos de consulta e aconselhamento para que a ciência cada vez mais informe as políticas públicas, reforçando a presença de doutorados na administração pública e envolvendo a comunidade científica e as sociedades que a representam no desenho e avaliação dessas políticas (ver, por exemplo, o documento sobre este assunto da Academia das Ciências de Lisboa).
Existe um consenso alargado relativamente à maturidade do sistema científico e de educação superior, do salto qualitativo que protagonizou e da sua importância para a reputação e visibilidade do país, e para a transformação da economia portuguesa. Os objetivos futuros são também globalmente assumidos. Parece ser, portanto, o tempo para, como reforçou Pedro Bizarro da Feedzai no debate da semana passada, e citando Elvis Presley, “A little less conversation, a little more action, please!”.
Professor no Departamento de Física,
Instituto Superior Técnico
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