Ao contrário de todas as previsões, tudo mudou na vida política portuguesa na noite de 18 de maio. O país que há poucos anos (até 2022) era maioritariamente de esquerda virou radicalmente à direita, ao ponto de a soma de deputados de AD, Chega e IL ser suficiente para formar uma maioria constitucional. Pela primeira vez na história da democracia, o PS deixou de fazer parte da maioria necessária para fazer uma revisão constitucional.
O anúncio da demissão de Pedro Nuno Santos tornou-se inevitável, face ao rombo eleitoral sofrido. Com eleições autárquicas à porta e presidenciais logo a seguir, os socialistas ainda estudam qual a melhor forma de fazer a transição sem causar mais estragos.
A AD, com 89 deputados, consegue alargar a distância para os dois partidos que, para já, estão em segundo lugar, com 58 deputados. É uma margem mais confortável, mas não suficiente para depender só de si.
A Iniciativa Liberal mais uma vez falhou o objetivo de crescer o suficiente para fazer uma maioria absoluta com a AD. Assim sendo ficará provavelmente de fora de uma solução governativa, até para não criar anticorpos com o PSe o Chega, na hora de procurar entendimentos para a aprovação do orçamento.
Ao contrário do que se esperava, os portugueses afluíram às urnas para dizer que não queriam deixar tudo na mesma na cena política nacional. Depois de contados os votos, a grande questão é perceber se vai, ou não, haver estabilidade e um Governo para quatro anos. Olhando para os resultados, e apesar de os eleitores terem ido votar conscientes do ‘não é não’, a verdade é que isso não os demoveu de criar uma solução que obriga Montenegro a, pelo menos, falar com Ventura. Se voltar a optar por se entender com o PS, é bem possível que o Chega volte a ser a notícia das próximas eleições, sejam elas quando forem.
Hecatombe à esquerda
“O Chega superou o partido de Mário Soares. O Chega superou o partido de António Guterres. O Chega matou o partido de Álvaro Cunhal. E o Chega varreu do mapa o Bloco de Esquerda”.
Com estas palavras proferidas no discurso de vitória, André Ventura descreveu na perfeição o que aconteceu à esquerda política em Portugal nas eleições de domingo.
Os últimos atos eleitorais, sobretudo depois da geringonça, têm sido pesados para os partidos à esquerda do PS, mas a última noite foi a machadada quase final. Só o Livre de Rui Tavares teve razão para sorrir, e mesmo assim, foi um sorriso triste, porque olha para o lado e vê a esquerda com quem projetava fazer alianças, completamente esfrangalhada.
Paulo Raimundo, que foi proclamado pela maior parte do comentariado como a grande surpresa da campanha eleitoral, não conseguiu evitar novo desgaste e perdeu mais um deputado no parlamento. A CDU só conseguiu eleger três deputados e perdeu para o Chega as principais apostas que levava para estas eleições, nomeadamente em Beja, onde não conseguiu eleger Bernardino Soares. Também em Lisboa perdeu o segundo deputado que tinha conseguido eleger em 2024.
Mas a noite mais difícil foi seguramente a do Bloco de Esquerda, que esteve na iminência de deixar de ter representação parlamentar. Só já no final da contagem dos votos é que chegou a notícia da eleição de Mariana Mortágua, que passará a fazer companhia a Inês Sousa Real, também eleita ao fechar das urnas. As duas serão deputadas únicas na próxima legislatura, com um novo partido que entra no Parlamento. Filipe Sousa é o deputado do JPP que a partir de agora também se sentará no hemiciclo.
O número de deputados da esquerda, todos somados, incluindo os do Partido Socialista, fica a uma enorme distância do de deputados da AD. São 70 mandatos à esquerda, contra 89 da AD. A esquerda parlamentar fica na prática de pés e mãos atados para fazer oposição. A tese dos três blocos, que Rui Tavares tanto defendeu, desde 2024, torna-se agora o principal inimigo da esquerda e do próprio Livre. Não há soma possível que possa ajudar a esquerda após as eleições de domingo.
Direita hegemónica para quê?
A grande incógnita que sai das eleições é perceber o que vão os líderes vitoriosos fazer, com a enorme maioria que os portugueses lhes deram.
Tendo conseguido uma maioria confortável, que torna impossível contestar que é o escolhido para governar o país, Luís Montenegro tem, ainda assim, que fazer opções face aos resultados eleitorais.
A ideia de continuar a privilegiar o Partido Socialista para tentar encontrar entendimentos, em matéria orçamental e outras, parece ser arriscada. Os eleitores desequilibraram drasticamente o centro político para a direita e o risco de não gostarem de ver o Governo da AD a fazer cedências à esquerda é muito grande.
Por outro lado, o célebre ‘não é não’ de Luís Montenegro a André Ventura, a que se soma o ‘nunca é nunca’ do líder do Chega em relação a entendimentos com Montenegro, tornam o caminho muito estreito para os dois líderes.
O cuidado que os dois tiveram nos discursos da noite eleitoral, para não trancar ainda mais as portas, é sinal de que os dois preferiram ganhar tempo para afinar estratégias. Ambos sabem que o recado que os eleitores lhes deram vai no sentido de que se governe à direita. Mas a última legislatura deixou marcas, não só pela agressividade com que Montenegro e Ventura se referiram um ao outro, tornando a relação pessoal muito difícil, mas também porque sempre que houve tentativas de entendimento as coisas correram muito mal.
O facto de não poder haver eleições no próximo ano e as garantias de estabilidade que Montenegro e Ventura deram no domingo podem ajudar a entendimentos. Resta saber se essa vai ser a estratégia seguida pelo primeiro-ministro.
Do lado do Chega, a vontade de ajudar o Governo da AD também não é muita. Neste momento, a probabilidade de Ventura ganhar umas próximas eleições é real e o próprio garantiu no domingo à noite: “Não vou descansar enquanto não chegar a primeiro-ministro”.