A necessidade de aconselhamento científico independente na tomada de decisão em políticas públicas foi, recentemente, bem percecionada durante a pandemia de COVID-19. Problemas complexos, tais como as alterações climáticas, as pandemias, a política energética, exigem aconselhamento científico independente que garanta decisões baseadas em dados científicos robustos e conhecimento científico e não em opiniões gratuitas e dependentes de ideologias, de interesses individuais, ou de grupo, e de curto prazo. A ciência independente permite defender soluções sustentáveis a longo prazo e proteger o interesse público, oferecendo transparência e responsabilidade em decisões críticas.
O aconselhamento científico independente necessita de ciência. Decisões erradas custam caro, em vidas, recursos e tempo perdido! Necessita também de inovação e desenvolvimento, o que exige investimento consistente em ciência. Em tempos de desinformação que se pode espalhar muito rapidamente, é essencial que cientistas e comunicadores científicos competentes possam esclarecer os cidadãos, combatendo mitos com factos. Acresce que, sempre que a população percebe que as decisões estão a ser orientadas pela ciência, tem mais confiança nas instituições e nas políticas, o que é essencial durante crises graves. Por isso, também, a ciência não pode nunca ser considerada um luxo mas um bem público essencial, havendo que garantir financiamento estável e transparente para a investigação, formação rigorosa de investigadores e condições de trabalho apropriadas.
As Academias de Ciências desempenham funções estratégicas no aconselhamento científico independente aos Estados, nomeadamente, na produção de pareceres técnicos sobre temas críticos, por exemplo, sobre clima, energia, saúde pública, educação, novas tecnologias. São centrais no ecossistema da ciência como guardiãs do conhecimento e mediadoras entre ciência, sociedade, e políticas públicas. Respondem a pedidos de governos e parlamentos com base em conhecimento multidisciplinar. São exemplos, as prestigiadas academias do Reino Unido, a Royal Society, dos EUA, a National Academy of Sciences, e muitas outras academias nacionais, entre elas a Academia das Ciências de Lisboa (ACL). Fundada em 1779, promove a investigação científica, a valorização da língua portuguesa e o desenvolvimento do conhecimento nas suas mais diversas áreas (1). As Academias de Ciências também promovem a literacia científica e o pensamento crítico, participando no debate público, explicando ciência ao cidadão comum, apoiando programas de educação científica, combatendo ativamente a desinformação. Promovem um espaço de diálogo e respeito pela evidência, mesmo sobre temas controversos, colaborando com Universidades e Centros de Investigação que formam técnicos e investigadores e produzem conhecimento novo, e com agências e entidades reguladoras que prestam consultoria científica independente em saúde, ambiente, segurança alimentar.
As Associações de Academias Científicas nacionais (de ciências, medicina, engenharia) têm um papel estratégico ainda mais abrangente. Atuam como redes coordenadoras, potenciando a voz da ciência ao nível europeu ou internacional, promovendo padrões comuns e aumentando o impacto do aconselhamento científico independente. Em tempos de crises múltiplas — climática, sanitária, energética, geopolítica e de informação — nenhuma academia sozinha tem os recursos ou a influência necessários para as confrontar. As associações de academias multiplicam a força coletiva da ciência, oferecendo respostas conjuntas a desafios globais, com legitimidade e autoridade técnica. Produzem pareceres científicos conjuntos e transnacionais sobre desafios globais e servem como porta-voz coletivo da ciência académica junto de grandes organismos multilaterais (ONU, OMS, Banco Mundial, UNESCO…). Fazem pressão para que a ciência seja ouvida e considerada em decisões políticas globais.
A ACL participa em várias redes internacionais de academias científicas o que permite acesso a conhecimento e a colaboração com cientistas de todo o mundo e domínios científicos. Tal representa um recurso valiosíssimo que Portugal pode usar para responder aos seus desafios específicos. Durante 2025, o EASAC– European Academies’ Science Advisory Council (Conselho Consultivo Científico das Academias Europeias) preparou três relatórios com o envolvimento da ACL que indicou académicos e outros peritos nacionais e os endos sou. O EASAC reúne academias nacionais europeias, entre elas a ACL, e representa uma voz coletiva da ciência europeia junto das instituições da União Europeia (UE) e da sociedade, influenciando as políticas e ajudando a formar consensos científicos entre países, o que é essencial quando é obrigatória uma ação coordenada. O relatório “Security of Sustainable Energy Supplies” (Segurança do Fornecimento de Energia Sustentável) foi apresentado e debatido na ACL (2) no dia seguinte ao “apagão” elétrico (!). O relatório “Changing Wildfires” (Incêndios) (3), foi publicado este mês e será discutido na ACL a 26 de junho. A publicação do relatório “Meat Alternatives” (Alternativas à Carne) está prevista para 25 de junho.
Num tempo de grandes incertezas e ameaças globais, reforçar e valorizar as Academias de Ciências e suas associações é uma forma de afirmar a autoridade da ciência e garantir que o aconselhamento científico, baseado em evidências e livre de pressões externas, chega a níveis políticos onde se tomam decisões com impacto nacional e mundial.
(1) https://www.acadciencias.pt
(2) https://www.acad-ciencias.pt/2025/05/02/dois-eventos-na-acl-sobre-energia-seguranca-sustentabilidade-e-perspetivas/
(3) https://easac.eu/publications/details/changing-wildfires
Professora Emérita do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa
* Secretária-geral da Academia das Ciências de Lisboa