Nota prévia: Há coisas que caem mal, por muito que os amigos evitem de o dizer e até batam palmas. Aconteceu na formalização da candidatura de Gouveia e Melo à presidência da república. Era escusado apresentar-se por oposição ao Presidente Marcelo. Logo Marcelo que o acompanhou e lhe deu força na complexa campanha das vacinas, avalizando, depois, a sua subida a chefe da Armada, um claro lugar político (a propósito, note-se que na Europa houve muitos Melos e nenhum fez disso trampolim político). Salvo no caso de Soares Carneiro, que perdeu, não há memória de alguém com hipótese de vencer se apresentar como candidato por oposição absoluta e de caráter ao presidente em exercício. A circunstância de se ser diferente não justifica o que foi dito e reafirmado, tendo como alvo o Presidente da República Portuguesa, Professor Doutor (por extenso) Marcelo Rebelo de Sousa, o chefe de Estado que mantém os maiores índices de popularidade, dez anos depois de ter sido eleito. É preciso mudar de estilo? Talvez. Cansou? Só se for o comentariado. Desceu uns pontos na estima do povo? Possivelmente por causa do caso das gémeas de que não teve culpa direta. O neoeanismo do almirantado é uma solução? Eventualmente. Mas uma coisa é certa. É bom visitar o passado: Soares divergiu e combateu Eanes, mas não o denegriu. Sampaio não fez alusões negativas a Soares. Cavaco não pôs etiquetas a desconsiderar Sampaio ou Soares como presidentes, apesar de nada terem em comum. E Marcelo não minimizou Cavaco, tendo perfis opostos. Havia uma elevação que agora se perdeu e, sobretudo, havia ideias traduzidas em palavras claras. Quanto aos apoiantes de Gouveia e Melo estão lá todos os que se esperavam, muitos dos quais não abonam a ética ou foram rotundos fracassos políticos. Veja-se Rui Rio, que ia destruindo o PSD com a sua gente e vira agora mandatário por despeito. Obviamente que há exceções. Sobressaiu positivamente na plateia um Senhor da política e da cidadania: Fernando Negrão. Há apoios que dão credibilidade. Quanto ao discurso, podia emergir do ChatGPT mais básico. Foi um texto tipo miss mundo, de pesca de arrasto e mal interpretado por um candidato de quem se sabe pouco (apesar de Vítor Matos no Expresso ter dado um oportuno jeito sobre o percurso oficial, omitindo a vida privada que tanto conta num chefe de Estado). Além da eficaz máquina estratégica de Luís Bernardo, Melo conta com o influente patrão da TVI/CNN, à qual deu a primeira entrevista como candidato. Simultaneamente, nota-se uma crescente simpatia por ele na rádio Observador, que orienta bastante gente através dos seus influenciadores politico/jornalísticos, o que indicia que está montada uma estratégia para o tornar o candidato da moda e da bolha.
1. As legislativas de 18 de maio voltaram a favorecer a ascensão do Chega, que cresceu 10 deputados, passando a 60. É obra! É certo que o crescimento dos partidos populistas de direita radical e nacionalistas se verifica em muitos países europeus por razões específicas, mas tendo sempre em comum a imigração, o crime, a subsidiodependência e a corrupção. Esse cardápio, com algumas adaptações lusitanas, tem feito crescer Ventura que, entretanto, inaugurou uma nova fase. Desde que se guindou ao segundo lugar e líder da oposição, passou à tentativa firme de se afirmar como uma alternativa de governo. É um salto que nem ele pensava dar em tão pouco tempo, mesmo quando já tinha 50 deputados. Durante um tempo, Ventura achou que precisava de entrar para o governo e ocupar pastas essenciais, como a administração interna, para crescer. Sabendo da indisponibilidade de Montenegro, contava com Passos, através de um regresso deste ermita da política. Passos seria o escadote utilitário. 18 de maio mudou tudo. Ventura e o Chega passaram a ser autossuficientes. Vão lutar para crescer, contando com uma falange de incondicionais e com um discurso mais elaborado. O objetivo é substituir-se ao PSD como maior partido e não apenas aliar-se a ele ou condicioná-lo. Passos passa a ter um papel limitado na equação, até porque já não é previsível que algum dia substitua Montenegro e porque o próximo Presidente de República deve ficar lá dez anos. Passos pode, quando muito, servir pontualmente. Tipo a notícia de que não apoiará Marques Mendes. A luta de Ventura passou a ser com Montenegro. Não vai ser bonito de ver e coloca a estabilidade num horizonte limitado a dois anos, uma vez que também o PS não pode conformar-se com o seu terceiro lugar pelo tempo de uma legislatura, uma eternidade política.
2. A Iniciativa Liberal não tem emenda e mergulhou num novo psicodrama. Parece a JSD em tempos de crise interna dos seniores do PSD. Sabia-se que Rui Rocha, um líder que causou boa impressão, não estava satisfeito com as legislativas. Falhou o objetivo em número de deputados, uma vez que só cresceu um. Não conseguiu ser decisivo para uma maioria absoluta. Virou-se para uma proposta de revisão constitucional que Montenegro considerou deslocada no tempo. Foram múltiplas as frustrações de Rocha. Mas, na política, um líder não pode abdicar à primeira derrota. Os nossos liberais são uma espécie de jovens empreendedores. Saltam de projeto em projeto, de cadeira em cadeira, abrindo negócios sucessivos na procura do crescimento permanente. Pode funcionar nos negócios. A política a sério não é assim. Não é para sprinters. É para corredores de fundo ou, vá lá, de meio fundo. Seja lá quem for o sucessor de Rocha, é desejável que tenha isso em conta.
3. De forma recorrente, somos confrontados com notícias a respeito de estrondosas investigações sobre a contratação de meios para o combate aos fogos por ar e/ou terra, de adjudicações na emergência médica, em bombeiros e umas quantas coisas de Proteção Civil. Há de tudo como na farmácia, dos autotanques aos helicópteros, passando pelo SIRESP e mesmo por golas antifogo que derretem com o calor. Com o tempo esquecemos. Quase nunca sabemos como as coisas acabam, ao contrário dos crimes de sangue mais violentos que reaparecem na informação aquando dos julgamentos. O que se verifica nos casos dos concursos é sempre igual. Há uma denúncia, uma queixa, uma notícia e aparece o zeloso Ministério Público a deitar uma gigantesca malha de policias e investigadores para fazer buscas e constituir arguidos, a que se juntam suspeitos, quase todos com óbvias ligações a centros de poder. Alguns até apresentam laços diretos ou indiretos com governantes que, convenientemente, tiveram quase sempre o bom senso de pedir escusa de decisões. Já vimos, ouvimos e lemos a estória milhares de vezes. Ora, se assim é, parece legítimo perguntar se não será melhor inverter os termos concursais no Estado. Não deve ser impossível os grandes concursos serem acompanhados de início pelo Ministério Público, a quem competiria a validação final. Sobretudo em casos de necessidade imperiosa que requeressem adjudicação direta. Talvez evitasse tanto alarido, suspeições, algumas das quais se verifica depois serem infundadas e estragarem a vida a gente honesta, como o saudoso Miguel Macedo.
4. É fundamental esclarecer a fundo o caso denunciado pela TVI/CNN de que há médicos, enfermeiros e, talvez, outros profissionais a ganharem muitos milhares de euros por fazerem operações nos hospitais do SNS em dias de folga e fins de semana, a fim de encurtar o tempo de espera. O assunto começou por se focar na dermatologia (aparentemente mais simples e suscetível de gerar mais facilmente fraudes), mas há nota de que ocorre noutras especialidades e em diversos hospitais do país. O assunto tem de ser tratado com pinças (passe a facilidade). Isto porque esta prática, por cara que possa ser, tem sido fundamental para aliviar e tratar doentes que poderiam ficar para trás, com consequências eventualmente funestas. Convém, a propósito, lembrar a convenção de linguagem que usamos, ao afirmarmos que não há valor que pague uma vida humana. É coisa que todos sabemos ser uma hipocrisia política, tratando-se da saúde pública e ainda mais na privada. Vai ser preciso olhar para cada caso, cada situação do paciente e a natureza do ato médico. Mas deveria, desde já, assentar-se numa coisa: o sistema de recuperação de operações dentro do SNS por via de um esforço suplementar faz sentido e não é líquido que a transferência desses casos para o setor privado seja menos onerosa. Sabe-se que o sistema vai ser repensado. Oxalá seja para melhor e mais barato. Sem essa garantia é melhor deixar estar e apenas corrigir as remunerações para valores aceitáveis. Isto apesar de ser uma evidência que as gigantescas quantias auferidas por alguns médicos são depois taxadas em quase 50% de IRS. Convém nunca esquecer que qualquer português que ganhe bem tem como sócio um Estado muito guloso.