A vida ‘à grande e à francesa’ de Sócrates em Paris
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A vida ‘à grande e à francesa’ de Sócrates em Paris


Sócrates ainda tentou ser um discreto estudante em Paris, mas não conseguia disfarçar o seu amor pelo crème de la crème francês. Um apartamento impressionante no bairro mais caro e dormidas nos melhores hotéis foram apenas alguns dos seus luxos.


No verão de 2011, pouco depois de deixar de ser primeiro-ministro, José Sócrates fez por desaparecer do radar político português. Não fugiu, garantiu. Foi estudar e escolheu Paris. A cidade das luzes, do pensamento iluminado e das tertúlias nos cafés. Inscreveu-se na Sciences Po, numa pós-graduação em Filosofia Política. O homem que governou o país entre crises e resgates queria refletir, ler, reencontrar-se com as ideias e rumou à terra de Rousseau para, quem sabe, redescobrir o seu homónimo grego. Mas não o faria como um qualquer ‘filósofo’ atormentado com os dilemas da ética e da Moral. Não, o regresso ao estudo ia ser ‘à grande e à francesa’.

José Sócrates instalou-se no número 15 da Avenida Président Wilson, no coração do 16.º arrondissement, o mais caro e exclusivo da cidade, onde moram diplomatas, banqueiros e a elite intelectual parisiense, incluindo antigos chefes de Estado.

A poucos metros do Sena, o novo vizinho de Sarkozy, praticante de jogging começava a maioria dos dias a correr junto ao rio, sob o olhar discreto da Torre Eiffel, ou a passear de bicicleta e a cumprimentar com um sorridente bonjour as pessoas nas ruas e nos cafés, em especial o Café du Trocadéro, onde se sentava a ler jornais.

Aos olhos de Paris, Sócrates era mais um monsieur discreto que não destoava do bairro que escolheu. Mas aos olhos da justiça portuguesa, a história era outra. A Operação Marquês viria a revelar uma vida de opulência e luxo que, tendo em conta os rendimentos conhecidos do antigo primeiro-ministro, alertavam as autoridades judiciais.

Mon ami Carlos Santos Silva

O apartamento de luxo escolhido por Sócrates para a sua morada de Paris foi comprado por Carlos Santos Silva, empresário e amigo de infância de Sócrates, por 2,8 milhões de euros. São 230 metros quadrados, tetos altos, painéis de carvalho e remodelações ao estilo Haussmann, ex-libris arquitéctonico da capital francesa, que ultrapassaram meio milhão de euros, inicialmente foram mais de 70 mil euros, na segunda fase de obras mais 480 mil euros.

Enquanto as obras decorriam também na casa onde Sócrates instalou um dos filhos e a ex-mulher, foi preciso alojá-los num aparthotel ali perto, pelo qual pagaria quase 500 euros por noite. Mas para o jovem, de 17 anos na altura, isso não era suficiente. O filho parecia ter a mesma inclinação para o luxo do pai e estava farto de viver, segundo uma mensagem que enviou a Sócrates, “num quarto que é basicamente duas camas”. “Não é nada confortável sair de casa todos os dias e ter turistas à porta”, escreveu ainda.

A vida em Paris era feita saltando de hotel em hotel, porque as obras do número 15 nunca mais ficavam prontas. Sem poder manter-se, por falta de vagas, no Bel Ami, de cinco estrelas, mudou-se para o Colbert, um quatro estrelas em pleno Quartier Latin, perto da margem dando para a Catedral de Notre-Dame.

Só nas primeiras semanas da sua vida em Paris, terá gastado mais de 9 mil euros em artigos para a casa emprestada pelo amigo. Só em livros académicos foram 2.300 euros, comprados nas mais prestigiadas livrarias da cidade, com direito a embrulhos de papel de seda e carimbos na lombada como se os artigos fossem peças de museu.

Em 2012, gastou mais de 544 mil euros, uma média de 45 mil euros por mês, segundo o Ministério Público.

Foi essa vida de luxo, que tentava manter discreta, que o Ministério Público (MP) começou a tentar desconstruir, alegando que o padrão de vida de Sócrates era impossível de sustentar com os bens de que dispunha. Os extratos bancários não mentiam. Os fluxos de dinheiro, num total de cerca de 34 milhões de euros, vinham de contas controladas por Carlos Santos Silva, espalhadas por offshores e bancos suíços.

A tese do MP era de que Santos Silva funcionava como testa-de-ferro de Sócrates, as viagens, as casas, os carros, os depósitos para a ex-mulher, os presentes para os filhos, os jantares, às vezes em grupo, nos melhores restaurantes. Era o amigo quem financiava a vida parisiense de Sócrates, oficialmente um mero estudante, sem cargo remuneratório na altura. Os detalhes, que constam no processo impressionam. Um Mercedes topo de gama em Lisboa com motorista. Férias em Formentera, Veneza, e nos Alpes franceses. Remodelações com mármore de Itália e candeeiros de design escandinavo. Um monte no Alentejo por 760 mil euros, comprado discretamente. Tudo registado em nome de terceiros, mas pago com dinheiro que o Ministério Público atribuía a Sócrates, ainda que raramente o dinheiro passasse pelas suas contas pessoais.

Mas a preferência de Sócrates pelo luxo não ficava por aqui .

Vergonha de viajar em ‘económica’

O agora estudante viajava frequentemente entre Paris e Lisboa e, salvo uma exceção, não prescindia de o fazer na classe executiva. Quando confrontado em tribunal, foi claro: ‘Seria humilhante para um ex-primeiro-ministro viajar em classe turística’.

Curiosamente, regressou de Paris para Lisboa em económica no dia em que viria a ser detido, em novembro de 2014 .

A narrativa de Sócrates sobre os gastos foi sempre a mesma: eram empréstimos entre amigos, sem juros. E também havia — dizia — o dinheiro da mãe, Maria Adelaide, que lhe teria deixado uma herança generosa, herdada em numerário, sem grandes registos.

Alegou sempre que não era um homem de posses, mas além da vida de luxo, sua e dos ‘seus’, terá ‘bancado’ a estada também em Paris do filho do amigo Pedro Silva Pereira, ex-braço direito do seu Governo em Portugal.

José Sócrates, segundo os autos do processo, ofereceu ao filho do ex-ministro, entretanto já eleito eurodeputado, a estada de um ano em Paris para fazer estudos.

Quando José Sócrates anunciou que iria estudar Filosofia em Paris, muitos viram no gesto um recuo estratégico, uma tentativa de recomeço ou um exílio voluntário, após a sua saída tumultuosa do Governo. Mas a aventura repleta de excessos do antigo primeiro-ministro em Paris viria a revelar-se duplamente irónica. Deixou Lisboa para estudar os grandes pensadores da moral e da ética, entre os quais o seu homónimo filosófico grego, símbolo da integridade moral que morreu coerente mas pobre, mas o seu amor não platónico pelo luxo viria a fazer soar os alarmes em Portugal e é, talvez, um dos grandes ‘responsáveis’ de agora estar sentado no bancos dos réus.

Compras na loja mais cara do mundo

O gosto de José Sócrates pelo melhor que a vida tem para oferecer não se tornou óbvio apenas após a sua saída do Governo em junho de 2011. A sua imagem parecia sempre ter sido pensada ao pormenor e era cuidadosamente construída, os seus fatos bem cortados e as gravatas elegantes eram alvo frequente de comentários. Enquanto primeiro-ministro, entre março de março de 2005 e junho de 2011, cultivava uma aparência polida, que nos últimos anos de governação começava a contrastar com o ambiente de contenção económica que se vivia no país. Os elogios à elegância deram lugar às críticas à aparência faustosa.

Em 2010, ao mesmo tempo que Portugal estava a braços com uma grave crise económica, no país do outro lado Atlântico, nos EUA, em Los Angeles o nome de José Sócrates aparecia em destaque na House of Bijan, aberta em 1976 e descrita como “a loja mais cara do mundo”. Na montra, segundo uma reportagem da TVI na altura,  podia ler-se a inscrição ‘Prime Minister of Portugal’, referindo-se a um dos muitos ilustres que ali faziam compras.

Localizada na célebre Rodeo Drive, a House of Bijan foi fundada pelo, já falecido, designer iraniano Bijan Pakzad, que se podia gabar de ter vestido cinco Presidentes americanos, os dois Bush, pai e filho, Barack Obama, Ronald Reagan e Bill Clinton, além de outros nomes de peso da política internacional como Tony Blair, Vladimir Putin ou do cinema como Steven Spielberg.

A loja, já na altura em Sócrates lá faria compras, exigia marcação e só atendia um cliente de cada vez. Os preços, sem surpresa, são tão exclusivos quanto os seus clientes. Um simples par de meias custava no mínimo 50 dólares, em 2010, agora é cerca do dobro, os fatos podem facilmente ultrapassar os 50 mil euros. Na altura em que se soube que José Sócrates, na altura ainda primeiro-ministro, era destacado pela própria House of Bijan como um do clientes da ‘loja mais cara do mundo’, a notícia não caiu bem num Portugal em plena crise, que viria até a obrigar a um resgate financeiro.

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